UMA PARADINHA NO PRECONCEITO

Janaina Pereira é Administradora, Especialista em Gerenciamento de Projetos, Consultora há mais de 10 anos em Planejamento Estratégico e Marketing e Diretora Executiva na Porto3 Soluções.

Esta semana, assisti uma edição do programa Conversa com Bial, quando a entrevistada foi a cantora Anitta. Não gosto de funk, não porque pretendo ser culta, porque seja privilegiada ou considere o ritmo um instrumento de apologia à criminalidade ou às drogas. Não gosto porque não gosto, como não gosto de Luiz Gonzaga ou Raul Seixas. Não gosto de funk do mesmo jeito que não gosto de Chico Buarque. Não gosto como não gosto de aboio ou forró “estilizado”. Então, por que assistir a entrevista de Anitta e, mais ainda, citá-la aqui? Acho que, de onde menos esperava, novamente aprendi uma coisa bem interessante e que acho pertinente compartilhar.

Nem simpatizo com a moça nem curto o trabalho dela. Mas estava de bobeira em casa, já cansada de ler, farta das redes sociais de onde não temos conseguido sair, e, principalmente, sem sono. Liguei a TV e começou o programa de Bial. Considerando já ter assistido algumas edições e ter achado bacanas, e na esperança que Anitta não fosse suficientemente interessante para ser pauta de um programa inteiro, dei um voto de confiança para a entrevista, sempre esperando o próximo bloco.

O programa começou com funk, claro. Suportar a introdução já foi um verdadeiro exercício de paciência, até que, quando a cantora começou a contar de sua trajetória, me flagrei me perguntando como tenho sido tão preconceituosa – no real sentido do termo – e como, em geral, temos sido tão fundamentalistas a ponto de só nos interessarmos por aquilo que já os interessa, de uma música a um posicionamento político, passando pelo sabor de uma comida ou um lugar que visitamos. A entrevista continuou e Anitta me surpreendeu mais uma vez. Deduzi que o meu tipo de atitude é o que, infelizmente, tem norteado todo o nosso comportamento social ultimamente. Por motivos diversos, com ou sem razões suficientes, tem-nos faltado paciência. Paciência com o outro, com a voz do outro, com o gosto do outro, com a opinião do outro, com a roupa do outro, com jeito de ser do outro. Quando falta paciência, é muito fácil sobrar desrespeito. Ou despeito. Não temos nos permitido sequer escutar o ponto de vista alheio – que dirá entendê-lo?

Anitta me levou a pensar em por que, na época de campanha eleitoral, acompanhamos nos comícios apenas o candidato que já nos interessa. É como se fosse uma falta grave comparecer aos eventos de todos os candidatos, quando, na verdade, os comícios e programas eleitorais deviam ser expositivos de propostas para, depois de conhecer todas, definirmos nosso voto, e não uma declaração prévia dos números que vamos digitar na urna. O mesmo comportamento foi recentemente reproduzido num julgamento importante, quem, em vez de escutarem acusação e defesa, os juízes foram simplesmente defender seus próprios votos. Impacientemente, como se a divergência nunca tivesse passado ali.

Enquanto acompanhava as palavras e o posicionamento de uma pessoa com a qual nunca simpatizei, percebi que é possível compreender a coerência de um discurso até entre rebolados e paradinhas. É que esta coerência só se atinge quando se vive o que se prega. É por isso que Anitta falou tão bem de discriminação, das letras apologistas do funk, das quais, mesmo não concordando, entende ter uma razão de ser, falou de violência e de sucesso. É por isso que ela falou tão bem de hipocrisia, de demagogia e de oportunismo. Falou de empoderamento social. Questionou o que define cultura e deu um tapa no meu preconceito ao provar que uma funkeira entende de marketing aplicado e administração como poucos Mestres e Doutores com os quais trabalhei.

O que temos vivido é a real figura do que somos. Aquilo que está no poder, no auge e nos holofotes nos representa, seja na política ou no hall da fama, e é isso que projetamos inclusive internacionalmente, seja um político, uma conquista da Ciência ou um avantajado par de glúteos. E vai continuar sendo assim, claro! Se estivermos insatisfeitos, mas não nos permitirmos conhecer o novo, como esperamos que a nossa cara mude?

Continuo não gostando de funk e nem de Anitta, mas o exercício de empatia e reflexão aconteceu. Confesso que fiquei envergonhada por ter deduzido de forma tão preconceituosa que Anitta não teria conteúdo suficiente para sustentar uma pauta de programa de opinião. Que bom que, naquele momento, minha paciência foi maior que meu preconceito!

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