CRISE DE IDENTIDADE

Janaina Pereira é Administradora, Especialista em Gerenciamento de Projetos, Consultora há mais de 10 anos em Planejamento Estratégico e Marketing e Diretora Executiva na Porto3 Soluções.

Estes dias, devido ao colapso causado pelas enchentes em Pernambuco e Alagoas, percebemos claramente um dos traços mais bonitos do brasileiro: a sua solidariedade. Temos o perfil de nos colocarmos o lugar dos outros em situações extremas, como a que milhares de pessoas estão vivendo. Por outro lado, muitos oportunistas apareceram neste momento: políticos querendo aparecer sob o pretexto de ajudar na reconstrução das cidades, comerciantes encarecendo os preços de itens como água mineral, devido à grande procura e baixa oferta, e, principalmente, os próprios cidadãos de municípios afetados pelas chuvas, quando saquearam supermercados, por exemplo.

Fiquei pensando, portanto, na nossa identidade enquanto país. Sociologicamente, somos o resultado de uma colonização, e não é novidade para ninguém que grade parte dos nossos antepassados sequer queriam ter ficado aqui. Além disso, os índios foram escravizados e africanos foram traficados pelo seu próprio povo para o trabalho forçado. Somos a mistura de tudo isso – e ainda tem quem queira ser superior! Vai entender…

Mas o tema deste artigo é como, quando conveniente, alguns aspectos de nossa personalidade enquanto povo aparecem com tanta força. E não há um contraponto: para o bem e para o mal, nossas características aparecem sob demanda. No aspecto positivo, destaco a capacidade de nos mobilizar, de ajudar o outro, o voluntariado, especialmente quando uma grande tragédia acomete nossos pares. Para o mal, basta uma greve da Polícia para presenciarmos episódios vergonhosos como o saque a lojas ou o roubo de cargas quando um caminhão tomba (este, em especial, é um contra-senso, pois nem a desgraça do caminhoneiro é capaz de despertar o lado positivo dos oportunistas).

Enfim, parece que a maior característica da nossa identidade é o oportunismo. Não é à toa que aqui no Brasil se discuta de maneira tão veemente a diferença entre corrupto e corruptor, como se houvesse uma diferença substancial entre as duas práticas. Mas não me refiro apenas à política ou a grandes vantagens percebidas. É o oportunismo do dia a dia mesmo, este que nos nem percebemos e, muitas vezes, até elogiamos. É a pessoa “desenrolada”, o fulano que conhece gente “importante”, o troco que veio a mais, a gente percebeu e não disse, a nota fiscal não emitida, o tal “jeitinho” do qual tanto nos orgulhamos. É ultrapassar pelo acostamento, mentir a idade da criança para ela não precisar pagar passagem – e o pior: ensiná-la a fazer isso, e o “menor de idade” se aproveitar de uma legislação frouxa e covarde para pintar miséria sob a égide da impunidade, é furtar água dos mananciais em baixa e ter o disparate de vender a peso de ouro, e tantos outros exemplos que presenciamos todo dia, e que já foram aqui mesmo temas de coluna de um colega.

Porém não queria deixar uma mensagem negativa. E se fôssemos oportunistas no bom sentido? E se esta solidariedade que demonstramos nas enchentes fosse a nossa prática todo o ano? E se acreditássemos mais um nos outros? E se aproveitássemos as grandes datas para presentear comunidades, ao invés de nós mesmos? E se os trotes das faculdades fossem sempre solidários? Com certeza, nossa identidade estaria melhor definida. Seria mais bonito e tranquilo ser brasileiro.

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