MATANDO A SAUDADE: A FEIRA DA VIDA:

11329828_663732390424315_6350187692147838799_nNa feira de minha íntima cidade, / há tempos comprei muita ilusão, / e hoje o grande balaio da saudade / guarda tudo, inclusive o coração. / Mulher rendeira, festa, casamento, / batizado, figuras mil de barro / cantam hoje em tristíssimo lamento / como flor morta que ficou no jarro. / Tinha também, na feira, o violeiro, / o boi, a vaca e até o delegado, / mas eu admirava era o vaqueiro / que aboiava, nostálgico, o meu gado. / A feira era pequena, é bem verdade, / mas tinha repentista e embolador / cantando versos tristes de saudade / e cantando também a minha dor. / Havia remédio pra qualquer doença, / folhetos com romances vãos de amor, / e a tudo aquilo o povo dava crença / arrodeando o pobre vendedor. / De tarde, já na hora do sol pôr, / o povo, como autômato, ia embora, / deixando a boa feira com a dor / de botar frutas e legumes fora. / Mas, eis que aquele resto de mangaio / foi com o tempo se amontoando / nos caçuás do meu cavalo baio / que hoje vive como alma, penando. / Na feira ingente de minha amargura, / oferecendo, sem ninguém levar, / tomates, laranjas e verduras / dos roçados sem fim do meu penar. / E assim a minha vida foi ficando / do mesmo jeito da feira acabada, / cantandor triste que se vai cantando / a poesia da vida magoada. / E cavalgando meu cavalo baio, / tangerino sem amor, sem nada, / eu hoje sou apenas o mangaio / perdido em meio da feira acabada….
( Do livro ALTER EGO, Ed.1996 – Ronaldo José Souto Maior, com apresentação do escritor MANUEL DE BARROS. Edição do IEHAFB.

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