A POESIA PERDE UM DE SEUS OUSADOS POETAS

De uma forma irônica e com um sorriso sarcástico, daquele jeito intrínseco característico de sua personalidade ousada e autêntica, ele olhou para trás e me disse: “e nesse momento, dos meus amigos eu quero distância”. Essa foi a última frase que o amigo Célio Lima me falou ao se distanciar e se despedir de mim em um rápido encontro que tivemos por acaso, em frente as lojas Americanas de Bezerros na quinta-feira dia 25 de março (um dia antes de seu internamento por dificuldades respiratórias decorrente da covid-19). A frase dita por ele foi uma maneira de proteção aos amigos, após ele me pedir para eu não ficar muito próxima dele, porque ele havia acabado de fazer o teste da covid-19 já que tinha tido contato com uma pessoa que teria contraído o vírus, e embora tivéssemos de máscaras e com um frasquinho de álcool 70 nas mãos, ele ainda assim se preocupou em me alertar. Lembro ainda que no início daquela nossa última e breve conversa ele falou da satisfação de ter começado a lecionar este ano, o quanto estava sendo árdua a vida dos professores com as dificuldades de adaptar o método de ensino mediante a pandemia. Eu jamais imaginaria que aquele seria o nosso último encontro dentre tantos e tantos que tivemos ao longo de mais de duas décadas de amizade, e muitos desses momentos na casa do amigo Dailson Mutuca, na época do colegial no Cônego Alexandre Cavalcanti, nos tributos a Raul Seixas, no Bistrô do Matuto, nos shows artísticos, em eventos culturais, no clube de leitura (onde ele se destacava por ser o membro que conseguia ler mais livros em um único mês). Vale ressaltar também que na nossa última reunião do clube de leitura no final de janeiro, ele disse ter ficado impressionado com o meu texto em que relatei minha experiência enquanto estive hospitalizada com covid-19, falou da preocupação e medo que tinha em contrair a doença, e por isso em nossas reuniões sempre estava atento e tomava todos os cuidados de proteção necessários. O amigo Célio Lima não era apenas um poeta, ele era um escritor admirável, gigantemente inteligente, um estudioso incansável, um pesquisador comprometido, um pensador audacioso, um crítico literário, defensor da liberdade de expressão, um amigo leal e prestativo, um ser humano simples, divertido, e que por trás daquele jeito fechado e aparentemente antipático possuía um coração amistoso, imensamente generoso. Infelizmente Célio foi mais uma vítima acometida pela covid-19, entre as tantas pessoas que já se foram e as tantas que possivelmente ainda poderão ir. O sentimento que fica além da saudade é o sentimento de impotência, sensação brusca de vazio, dor dilacerante, e uma profunda indignação contra um vírus que tem levado nossas pessoas repentinamente, sem lhes dar uma segunda chance, e sem nos conceder a chance da despedida e o direito da velação do corpo. E diante desse mal que vem provocando tantas perdas humanas, mexendo tanto com o nosso emocional, ficamos querendo tentar entender os porquês da existência, o porquê de alguns resistirem e outros não. Surgem tantos questionamentos. Qual o propósito para quem ficou? Missão a ser cumprida? E para quem partiu? Evolução? E aqueles que se foram será que tiveram consciência do que estava prestes a acontecer? E se eles pudessem dizer alguma coisa antes de partir o que teriam dito? Perguntas essas que ficarão sem respostas, pois como já foi dito pelo poeta William Shakespeare, “há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia”. Lamentavelmente o fato é que nesse momento, em todas as partes do planeta há pessoas que estão com seus corações sangrando em dor, desoladas pela perda de um familiar, de um conhecido, um amigo. E não há motivos que explique as partidas ocasionadas por essa doença, e nem há palavra ou formula que amenize o peso do sofrimento ou que apague a falta dolorosa das ausências. Quanto a mim, também estou sangrando por dentro porque meu amigo Célio Lima partiu, mas me conforta saber que ele fez a diferença nesse mundo, que deixou sua marca e contribuição para a cultura literária, um legado através de seus escritos, poemas e livros. Deixou também lembranças memoráveis com todos aqueles que tiveram a oportunidade de conviverem com ele. E é em nome da memória dele que me solidarizo com a sua família e todas as famílias que estão chorando suas perdas. Rogo a Deus que nos dê a serenidade espiritual necessária para continuarmos de pé. Em mim ecoa agora aquele pensamento doloroso de que eu deveria ter vivido mais, me doado mais, ter estado mais presente, e que daqui pra frente eu faça isso de fato com aqueles que permanecem aqui, porque a gente nunca saberá ao certo quanto tempo uma pessoa vai estar ao nosso alcance. A lição que fica é parte daquilo que vi sempre no Célio, viver intensamente cada momento, aproveitando cada oportunidade ao lado daqueles que ele considerava ser as suas pessoas.

Obrigada amigo pelas partilhas e aprendizado. Segue na luz poeta!

Por: Mariana Helena de Jesus

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