VOCÊ SABE QUEM ME COLOCOU AQUI?

Janaina Pereira é Administradora, Especialista em Gerenciamento de Projetos, Consultora há mais de 10 anos em Planejamento Estratégico e Marketing e Diretora Executiva na Porto3 Soluções.

Certa vez, quando eu ocupei o cargo de gestora da então Secretaria de Ação Social e Cidadania, questionei a postura de descomprometimento de uma pessoa que sempre queria sair do trabalho antes do horário, quando nem o prefeito o fazia. Escutei um sonoro e orgulhoso: “Você sabe quem me colocou aqui?”. Sim: sei quem ela pensava que a tinha “colocado” lá.

Sou inconformada até hoje com aquilo. Não por causa da falta de subordinação (sim, a hierarquia também deve existir na gestão pública). Não porque me surpreendi com a resposta que dei e não ouso mencionar aqui. Não porque “colocar” qualquer pessoa “lá” tem sido a praxe da política brasileira desde que o mundo é mundo, sob o argumento da confiança exigida pelo cargo.
A minha surpresa foi o quão estúpida poderia ser uma pessoa que ocupa um cargo que deveria servir. Não consigo entender até hoje o orgulho que alguém pode sentir por ser “colocada lá”, e não em conquistar por mérito e oportunidade o seu espaço.
Faz mais de 4 anos que escutei isso, mas, se na época me intrigou o orgulho descabido de ter merecido um favor de um figurão, hoje continuo sem entender outra questão, outro aspecto. Sempre defendi que, principalmente num mundo como hoje, agraciar uma pessoa com um emprego é digno de toda gratidão e reconhecimento, e que a pessoa contemplada deve ser grata mesmo. Mais ainda quando, como no exemplo citado, a pessoa não se reconhece digna de conquistar um espaço mediante trabalho e competência (neste caso, só poderia ocupar um espaço por indicação mesmo!).
Essa pessoa me ensinou muito. Fez-me refletir sobre o porquê de uns serem “colocados lá” e outros não. Entendi que as pessoas “colocadas lá” possuem um perfil fundamental ao tal sistema político de que tanto se fala. Em verdade, nem sei se ela de fato foi “colocada lá” por alguém (acredito que não, pois ninguém se comprometeria a tal nível) ou simplesmente obedecia quase que de forma sagrada ao estigma de subserviência a todo custo, em detrimento até da própria dignidade, que poderia ser percebida em uma pequena demonstração de humildade ou inteligência.
Este perfil do “colocado lá”, que acha que deve obediência a quem detém algum dinheiro ou influência, que talvez – muito provavelmente, no caso citado – nem goze de tanto prestígio como pensa (apenas achava que sim), visto ser só mais um nome numa extensa lista de pessoas manipuláveis e que, portanto, na visão dos oportunistas, mereceria ser agraciada com um contracheque, e que se submete a atribuir a outrem o que bem poderia ser um mérito próprio, é o que sustenta as bases de uma “política” que premia a incompetência e engorda através da idiotice de quem pensa que político deve ser servido, e não servidor.
Não quero dizer que todas as pessoas que ocupam os cargos de confiança – obviamente lá colocadas por alguém – são estúpidas ou subservientes. Eu mesma, como disse, ocupei um cargo do tipo e sou profundamente grata por isso. Naquela gestão e na atual, posso facilmente elencar diversos exemplos de meritocracia e competência, o que posso fazer em outra oportunidade. A diferença é atribuir o “ser colocado lá” orgulhosamente a um terceiro, e não ao seu próprio esforço ou merecimento.
Prezado leitor, acredito que a pessoa a que me referi leu este post. Sinceramente, você se surpreenderia se ela nem soubesse que foi com ela? Você se surpreenderia se alguém comentasse “Você sabe quem me colocou aqui?” em tom de efusivo orgulho neste post?
Einstein disse, segundo alguns: “Duas coisas parecem ser infinitas: o universo e a estupidez humana. Sobre o universo, ainda não tenho certeza.”
Portanto, se você trabalha, é dedicado e competente e até mesmo sabe que faria um trabalho mais eficiente do que quem ocupa hoje um cargo público sem merecer, pode sentir-se verdadeiramente orgulhoso de não ter sido “colocado lá”. Eu tenho orgulho de você também.
Moral da história: Não subestime a estupidez. Nunca. Você não sabe quem a colocou ali.
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