“Tenho absoluta convicção de que meu amigo não fez por mal”

Recentemente, um amigo me convidou para participar de um evento em que se discutia o cenário político nacional. A despeito de me sentir lisonjeada pelo convite, e de acreditar realmente que a participação de um cidadão na política também inclui opinar, sugerir e reivindicar, sua fala me chamou a atenção. Na formulação do convite, estava imbutida uma tentativa – tenho certeza que inconsciente – de compensação social: “Precisamos de mulheres falando a respeito disso. Conhecemos poucas e, destas poucas, a maioria não topa falar”.

Tenho absoluta convicção de que meu amigo não fez por mal. Na verdade, poucos perceberiam – talvez nem mesmo eu, em outros momentos – que o convite feito desta maneira carrega, como já mencionei, uma tentativa de compensação social.
Não foi por este convite em específico que resolvi escrever sobre este tema. Franca como sou, sequer me identifico com a causa dita feminista que, para alguns, não passa de modismo, enquanto em geral é tão mal interpretada quanto a suposta tentativa de inclusão feminina na pauta política através de um convite que se justifica meramente a partir do meu gênero. Passou a me incomodar, na verdade, o fato de que não só este convite como na verdade TODOS se ampararam no fato de eu ser mulher, e não no fato de eu ter uma opinião consistente a apresentar. Ora, como disse, me senti lisonjeada e, acredito, já consigo despertar uma impressão diferenciada unicamente  porque, dentre as poucas que “sabem falar de política”, eu “consigo falar de política”. Em verdade, fiquei pensando que a minha posição social já pode ser considerada privilegiada.
Hoje em dia, somos “beneficiados” com uma série de cotas, sobre as quais, a propósito, tenho uma visão bem peculiar, mas que não é objeto deste artigo. Como disse, em todas as vezes que me convidaram para tratar opinativamente do tema, a justificativa – pelo menos a que me deram – é porque sou mulher. Mas, embora compreendendo que não há má fé na fala, me senti uma beneficiária de cota social, e fiquei pensando em como sempre foi assim na turminha do colégio, no emprego, na faculdade, no ambiente de trabalho… e como temos, como mulheres, incentivado isto. A culpa é um substantivo feminino. Mais do que isso, é um sentimento que acomete fortemente as mulheres, sem dúvida, muito mais do que os homens. Então, até quando a mulher se candidata a um cargo político, por exemplo, dificilmente será a decisora do partido, da coligação nem, na maioria das vezes, da própria candidatura! E quando a mulher revebe um convite como eu costumo receber com frequência, e, eventualmente o aceita, ainda tem que lidar com a tal da culpa por ainda não ter conseguido se afirmar socialmente. Por outro lado, se nega o convite, perde a oportunidade de, mais uma vez, provar que possui conteúdo, que “sabe”, “consegue” e vai falar, mesmo que muitas das poucas que sabem não queiram. No final das contas, o que nos revolta é que, independentemente da decisão, ela sempre tem ocorrido em função de um convite masculino. De uma aprovação masculina. De uma consentimento masculino.
Certa vez, um senhor quase provocou um acidente batendo no meu carro ao não me deixar passar numa via que eu claramente detinha a preferência. Paramos o carro e eu esperei solenemente a sua reação. Em vez de um pedido de desculpas, percebi uma espécie de solidariedade, quando ele simplesmente acenou para me deixar passar como se estivesse me fazendo um favor. Parece besteira? Pareceria besteira se eu fosse um homem?
Esta inadequada condescendência é o que ainda permite o comportamento de compensação social. Talvez – muito provavelmente – seja um componente cultural que permeia as relações entre homens e mulheres, ou entre o que se entende por perfil masculino e feminino, mas já é um passo além da discriminação velada, da quase constatação da incapacidade da mulher de tratar de certos assuntos, embora o discurso social de hoje seja outro.
Compensações sociais à parte, o que acham que fiz? Aceitei ou não o tal convite? E você: como reagiria?
Janaina Pereira é Administradora
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