Quem não tem teto de vidro tatue a minha testa

Mikhail Gorbachiov é Cientista Social pela UFPE

A semana foi marcada por um episódio trágico que merece uma cara reflexão: Você já fez alguma merda na vida? Já foi acusado de algo que não fez? E, se em ambas as situações você tivesse tido isto tatuado em sua testa?

Pois bem, esta semana em São Bernardo do Campo, um jovem de 17 anos, dependente químico, foi acusado de tentar roubar a bicicleta de um deficiente físico e como forma de fazer justiça com as próprias mãos, dois homens de 27 e 29 anos, respectivamente, torturaram o jovem tatuando em sua testa o seguinte dizer: “sou ladrão e vacilão”, além de terem filmado e viralizado o vídeo pelas redes sociais.

O caso em questão traz à tona um modelo arcaico de se fazer justiça. O código de Hamurabi, a lei do talião ou simplesmente o “olho por olho, dente por dente”. Esta tem sido a forma retrógrada com que a sociedade brasileira tem pensado em casos que necessitam de justiça. A descrença nas instituições e nos poderes faz com que a sociedade se manifeste de forma irracional e instintiva, descendo um degrau na condição de homem que pensa.

Se o garoto tentou ou não roubar a bicicleta não caberia a ninguém que não fossem as autoridades competentes a intervir e resolver o caso. Mas porque o caso tomou este desfecho? Se observarmos bem, veremos que o garoto é negro, pobre e em situação de vulnerabilidade social. Isto de certa forma cria uma condição propícia para que os incomodados com a suposta tentativa de roubo venham a querer linchar, torturar e afins. Paremos para perceber também que seus torturadores também são negros e pobres.

Estamos diante de um caso que escancara que a sociedade brasileira vive numa constante disputa de valores e num eterno antagonismo social de classes. Seja na violência urbana, no campo trabalhista ou até nos direitos humanos, a face mais perversa de uma sociedade classista e elitista está nua e crua. Trabalhadores contra trabalhadores quando se trata de reforma trabalhista; negros contra negros e pobres contra pobres sob um manto de um discurso de uma sociedade branca e de valores que se reconhecem a partir do “vale quem tem”.

A discriminação e o preconceito racial estão presentes não apenas neste, mas em tantos outros casos que vemos todos os dias. O olhar para quem é negro, pobre e que não teve oportunidade é de desconfiança, opressão e de anulação de defesa. Não estão sendo olhados os direitos tirados e negados de cada cidadão quando simplesmente e de forma taxativa se apregoa algo sobre alguém.

Não bastasse a tortura e a viralização do vídeo, de quebra tivemos um teste de facebook que dizia qual seria a frase a ser tatuada em sua testa. E a sociedade “crítica” e dotada dos “melhores valores” possíveis faz o quê? Vai lá, e compartilha. A coisa tá mais feia do que pensamos.

Aqui não estou a defender os que cometem delitos, mas sim, levanto a reflexão de quais condições o levam a cometer? Direitos negados, historicamente, por uma sociedade elitista miscigenada e que se julga europeizada. Se existem instituições desacreditadas devemos nos rebelar contra as instituições e exercer nosso papel de cidadão e não degenerar ainda mais a nossa “pobre” espécie.

Por fim lanço a seguinte reflexão: o mesmo seria feito com um sonegador de impostos ou com alguém que desvia dinheiro público e que certamente causa muito mais mal do que um suposto ladrão de bicicleta?

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Entre em contato com Mikhail Gorbachiov pelo WhatSapp (81) 99428-4091

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