O ex-juiz Moro e a ética de Kant

OPor Vital B. Pontual

Nesses últimos dias, veio a público o vazamento das conversas do ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol. Nos diálogos publicados pelo sítio “The Intercept Brasil”, do jornalista Glenn Greenwald, percebe-se o nível de promiscuidade entre os dois. Atribuiu-se o vazamento ao um hacker, mas o jornalista Greenwald não confirmou essa notícia, embora a mídia nativa, sobretudo a Rede Globo, tenha trabalhado com essa versão, talvez com o intuito de blindar o “herói” de muitos brasileiros incautos e desavisados.

O então juiz à época, hoje ministro do senhor Bolsonaro, passou como um trator por cima do Código de Ética da Magistratura Nacional, mandando para a cadeia, sem provas consistentes nos autos do processo, o ex-presidente Lula. Se ainda havia alguma dúvida quanto o proceder do magistrado, agora ela está se dissipando com o vazamento de conversas que houve entre o juiz e o procurador. Se o juiz Moro, na ocasião, tivesse lido com mais cuidado o artigo oitavo do citado código, que rege a magistratura brasileira, não teria embarcado nessa. Ali está escrito quando se refere à imparcialidade: “O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.” Claro está agora que ele tomou essa resolução de forma adrede, ou seja, intencionalmente. Não há como duvidar disso, mesmo que o senhor Moro venha com suas desculpas, tentando explicar o inexplicável.

Se o senhor Moro tivesse apreendido em Filosofia do Direito o conceito de ética do filósofo iluminista Emmanuel Kant, não teria jamais cometido esse vitupério judicial no processo no qual Lula era julgado como réu. O senhor Moro violentou o imperativo categórico kantiano, de agir por dever e não conforme o dever. Achou mais conveniente agir por inclinações, isto é, usando para essa finalidade o imperativo hipotético. Demonstrou sua carência externa, queria reconhecimento e poder. E isso lhe foi dado com a vitória nas urnas do senhor Bolsonaro. Comenta-se à boca pequena, embora ainda não seja uma informação confirmada, que o ex-juiz já houvesse recebido o convite para ser ministro do atual governo, antes mesmo da realização do pleito. Isso só aumenta a desconfiança no mau-caratismo do senhor Moro.

Se o juiz houvesse agido dentro dos princípios da filosofia kantiana, respeitaria, também e sobretudo, o Estado Democrático de Direito, como ensina a nossa Carta Magna. Contudo, optou em julgar de acordo com seus interesses mesquinhos, deturpando assim o agir ético dentro do processo jurídico. Desde o início da operação, viu-se que o senhor Moro ultrapassou a barreira dos limites. Usou e abusou de suas prerrogativas, desrespeitando acintosamente os princípios do Direito. Ao ler-se o processo, percebe-se, ali, que não existem elementos de prova suficientes para condenar o réu. O ex-magistrado agiu por inclinações, ao condenar o ex-presidente. Somente um néscio não enxergaria essa realidade manifesta, sobretudo agora, que vieram à baila esses diálogos comprometedores.

O que se espera agora é que o Supremo Tribunal Federal use do bom-senso e anule esse processo recheado de vícios desde seu nascedouro. Seria uma lástima à Democracia condenar alguém sem provas, independentemente de sua casta social.  Aqui não se discute se o senhor Lula da Silva cometeu ou não cometeu crime. O que se discute é se há provas robustas nos autos que o condenam à prisão. Difícil vai ser esse Supremo ter ganas de fazer o que tem de fazer. Já existe até coronel aos berros, pedindo prisão perpétua para o senhor Lula. As últimas notícias que leio não são nada animadoras. O senhor Toffoli já retirou segunda instância da pauta do STF. Muitos atribuem aos gritos do coronel.

Vital B. Pontual é autor do livro Ainda Hoje Te Espero

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