HOMO TECNOLOGICUS

Mikhail Gorbachiov é Cientista Social pela UFPE

O século 21 é o grande responsável pela democratização do acesso à informação, mas também traz consigo a responsabilidade de proporcionar uma verdadeira profusão das formas de se relacionar socialmente: para o bem ou para o mal.

O convívio social é uma das formas primárias de socialização humana. Nascemos e desde então entramos em contato com atitudes humanas, seus reflexos, motivações e percepções.

As sociedades primitivas sentiam de forma mais intensa todas as fases deste processo tão importante para os seres humanos, e que com o passar dos tempos, com a modernização e a pós-modernização acabou por ser fragilizado a partir de uma nova ótica de formas de socialização e estabelecimento de relações.

Hoje em dia é comum ver que os primeiros amiguinhos de uma criança com aproximadamente 3 anos são mais os aparelhos eletrônicos do que seres humanos. As crianças não brincam mais nas ruas e paulatinamente se percebe que as lembranças e diálogos que são referenciados remetem a alguma vivência tecnológica, por exemplo: como foi aquela batalha de clãs do jogo X.

A cada dia mais a humanidade caminha para um processo anti-socializante justificado pela ausência de tempo (tempo é dinheiro); comodidade (é mais prático que uma máquina faça o que o humano poderia fazer) e pela famigerada e fictícia ideia liberdade (posso fazer o que quero, pois sou livre). Os pais e mães, por vezes culpabilizados, não passam de meras vítimas de uma ordem imposta sistematicamente para que a humanidade comece a aceitar passivamente as prioridades criadas, e a perceberem cada vez menos, as suas reais necessidades.

Porém, a problemática em questão não afeta apenas infantes. Quantos e quantos adultos e idosos já não deixam de sair para encontros; festas de rua; visitar um amigo ou vizinho; ou até mesmo conversar nas praças e calçadas da cidade? E quantos daqueles que o fazem, priorizam o uso de smartphones ao invés de valorizar o momento? Para estas questões aparecem justificativas das mais diversas para que se reitere a importância de tal atitude. Estas justificativas vão desde à violência das ruas (coisa que sempre houve e que talvez seja sentida mais abruptamente hoje porque ninguém mais ocupa as ruas) até o discurso do “não se tem nada pra fazer” (ué? Mas antigamente também não tinha, mas se inventava). Parece até que perdemos nossa capacidade de criar.

Por outro lado, o mesmo advento da tecnologia propicia inúmeras benesses: acesso à informação; democratização dos pontos de vistas (as redes sociais dão voz àqueles que se calavam por receio ou por inferiodade); possibilidade de reencontrar pessoas; efeitos mitigatórios de possíveis patologias futuras (as redes sociais são verdadeiros divãs) e etc.

O grande problema de toda a invenção humana é justamente a forma de uso que a humanidade faz de sua criação. Saber utilizar um dado recurso para que nos propicie momentos valorosos, mas também saber a hora de sua não utilização; não tornar-se refém de sua criação. E sobretudo que os aparelhos e o acesso ao mundo tecnológico não nos tire a capacidade de sentir, de viver, de experienciar e conhecer outras realidades de forma verdadeiramente socializante. Pois ler ou ver algo a partir dos olhos da tecnologia é extremamente diferente de viver e sentir com olhos puramente humanos.

Talvez você não tenha se dado conta, mas é por questões como esta, que muitos tem deixado de enxergar “o outro” como “eu” e o “eu“ como outro.

Mikhail Gorbachiov é Cientista Social pela UFPE

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