Órfãos;

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Vital Belarmino Pontual é jornalista e autor do livro “Escobar Júnior e a cobertura da VEJA aos atentados de 11 de setembro de 2001

Aos poucos vamos perdendo nossas melhores cabeças pensantes. Sempre é doloroso se trabalhar com as perdas. Há quem diga que perdemos aqui e ganhamos ali, mas a dor é quase inevitável assim como a morte. Talvez tudo isso seja o preço que se tem de pagar quando se passa por este mundo e por essa vida. Para quem acredita em outra, morrer não se torna algo tão desesperador tanto para quem vai quanto para quem fica. A fé uma espécie de remédio que consola. E depois é demasiadamente duro não crer.

A verdade factual é que em menos de uma semana perdemos três preciosos nomes brasileiros. Ainda na sexta-feira dia dezoito, morreu o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, vítima de uma embolia pulmonar. Um dia após o falecimento do autor de Viva o Povo Brasileiro, também se foi o educador, psicanalista e escritor Rubem Alves. Quarta-feira dia vinte e três nos deixou o “Dom Quixote” do Sertão Ariano Suassuna. Foram para o andar de cima antes do combinado. A nossa literatura ficou mais pobre e seus leitores mais tristes, sem dúvida.

É quase impossível não nos sentirmos tomados por uma tristeza em um momento como esse. Em pouco espaço de tempo se perde muita genialidade. Eram gênios naquilo que faziam e cumpriram muito bem o papel que desempenhavam dentro de uma sociedade nem sempre talhada e educada para assimilar seus pensadores. Cada um a seu jeito nos falava de temas importantes e relevantes ao pensamento atual. Através de seus textos sempre impecáveis, os seus leitores conseguiam enxergar mais além e talvez quem sabe dar mais liberdade a sua forma de seguir adiante.

Rubem Alves costumava dizer que um livro eram pedaços dele espalhados como sementes. Sonhava em ter tempo para aprender a vagabundear. Era um homem simples. Gostava mesmo era de lidar com as palavras. Tinha intimidade com elas. Em tudo que escrevia podia se ver uma sensibilidade poética. “Dentro de mim mora um palhaço e um poeta”, escreveu certa vez. Acho que Deus estava necessitando de uma pessoa sensível ao seu lado e resolveu levá-lo para ditar-lhe alguns poemas e algumas crônicas. Mas talvez sua viagem à outra dimensão foi com intuito de trabalhar ao lado do Criador no jardim divino. “Deus é jardineiro”, disse tentando se autodefinir ao seu leitor em um dado momento.

Vejo em Rubem e Ariano dois palhaços que nos deixaram rindo de nós mesmos. Acho que os dois eram sempre sábios quando escreviam e falavam. Nunca me lembro de vê-los mal-humorados com relação à vida que levavam. Em tudo viam uma beleza para transmitir aos seus leitores, quando não uma graça. Não levavam o cotidiano muito a sério. Contam que certa vez Ariano fora convidado para uma homenagem que se fazia a ele no Palácio do Governo da Paraíba. Lá chegando um dos guardas, provavelmente não o reconheceu, tentou barrá-lo à entrada, dizendo que ele estava sem gravata e, portanto, não poderia entrar. Ao que ele respondeu do alto de seu bom humor: eu já entrei aqui nu e não é por causa de uma gravata que vou deixar de entrar. Que tirada fantástica!

É melhor que se fique com uma frase, dentre tantas, maravilhosa do Mestre Ariano: “arte para mim não é produto de mercado. Podem me chamar de romântico. Arte para mim é missão, vocação e festa”. É dessa arte que ficamos todos órfãos e sem muita perspectiva. Contudo, é sempre

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